Policial

Só um terço dos abusos é registrado

Cascavel – O Dia Nacional de Combate à Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes, lembrado hoje, também é considerado uma data para reforçar o alerta a esse tipo de crime, que ainda é velado. Apesar da intensificação das campanhas de orientação para o combate desses abusos e de uma punição severa aos agressores, a maioria dos casos ainda não é denunciada.

No Paraná, de acordo com dados da Sesp (Secretaria de Segurança Pública), houve registro de 562 estupros de vulneráveis de janeiro a abril deste ano, mais cinco estupros com lesão corporal grave e um caso com resultado da morte da vítima. No total, 568 crimes contra crianças e adolescentes.

Com relação ao ano passado, a estatística também é assustadora. Houve 1.637 casos de estupro de vulnerável no Estado, mais 16 estupros de vulnerável com lesão corporal grave e outros três estupros com resultado de morte da vítima. Um total de 1.656 registros.

E por mais que os números espantem, a realidade é muito pior: apenas um de cada caso chega a ser denunciado. As demais vítimas sofrem caladas e, muitas vezes, continuam sofrendo a agressão. Isso ocorre por vários motivos. “Ao contrário da violência doméstica que normalmente tem testemunha, o abuso de crianças ocorre com a vítima sozinha. E, da mesma forma, ela fica sozinha para delatar. Não há testemunhas e o agressor, na maioria dos casos, é alguém da família ou muito próximo a ela. Padrasto, pai, uma figura que ela ama”, explica a promotora Andrea Frias, que atua na 15ª Promotoria Pública de Cascavel em casos de violência doméstica, contra a criança e contra idosos.

Segundo a promotora, os casos de abuso começam quando a criança nem sequer tem capacidade de identificar o crime, muitas vezes com menos de sete anos. “Quando ela começa a entender o que está acontecendo, seja por meio de uma palestra ou uma orientação na escola, aí vem o medo e o sentimento de culpa. Ela acredita que fez algo errado para que o agressor cometa o crime. E tem medo de denunciar por ser alguém da família, alguém que ela tenha como referência. A grande massa dos crimes é cometida pelo padrasto, pelo pai, e em terceiro lugar vêm parentes próximos”, lista.

Riqueza de detalhes

Como o crime ocorre sem testemunhas, quando o caso chega à Justiça, a acusação se vale apenas do depoimento da criança e do agressor. “Geralmente são falas ricas de detalhes, porque é algo que aconteceu várias vezes durante um longo período. Mesmo sendo a palavra da vítima contra a do agressor, dificilmente há uma defesa que consiga desconstruir a riqueza de detalhes dada pela vítima. Acredito, também, que o agressor não tenha dimensão do que está fazendo, porque as condenações são de mais de 20 anos de prisão, mais do que em muitos casos de homicídio”, conta a promotora Andrea Frias.

Meninos também são vítimas desses crimes, mas a incidência de casos envolvendo meninas é muito maior. E os agressores são pessoas que não têm passagem pela polícia, acima de qualquer suspeita. “O papel das mães também é muito importante. Tem mãe que denuncia e que acredita no que a criança diz. Mas também tem aquelas que sabem e que se omitem. Nesses casos, elas também são denunciadas”, resume.

Denúncias chegam aos professores

O professor aparece como figura de confiança e, por isso, muitas vezes, é para ele que a criança revela o abuso: 44% das vítimas fazem o relato aos educadores, conforme pesquisas sobre o assunto, justamente porque 90% dos agressores são da família. “Por isso que o professor precisa estar atento aos sinais corporais e comportamentais que demonstram a violência. Se o professor não tiver conhecimento, não percebe esses sinais e a violência continua”, afirma a professora Andrea Martelli, doutora em Educação, que palestrou ontem no 16º Fórum Municipal de Enfrentamento ao Abuso e à Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes em Cascavel.

Segundo Andrea, quando esses sinais são identificados, o educador precisa denunciar o caso. “A denúncia pode ser feita ao Conselho Tutelar ou por meio do telefone Disque 100, que é usado especificamente para esses crimes. Essas crianças podem, inclusive, ficar acolhidas, dependendo de quem foi o abusador, porque muitas famílias, infelizmente, ficam ao lado do abusador e muitas crianças acabam na família acolhedora porque a própria família não aceita a situação”, lamenta.

“É muito importante o papel da escola e dos familiares no sentido de prevenção e o conhecimento é a melhor arma para isso. Atualmente, temos formação continuada com essa temática no caso dos educadores, mas precisamos de uma parceria mais forte com as instituições de ensino”, sugere Andrea.