Cotidiano

Setor produtivo conta perdas, mas mantém apoio à greve

Cascavel – Na propriedade onde José Benedito trabalha, em Cascavel, pelo menos 50 bovinos que deveriam ter deixado o sítio ontem para o abate em um frigorífico da região tiveram que voltar para o confinamento. A carga não passou pelo bloqueio na rodovia e os animais agora só dão despesa. “Eles já engordaram tudo o que tinha para engordar, a partir de agora é só prejuízo e a gente nem sabe quando é que vai levar para o abate”, conta.

Por sorte, um carregamento com ração chegou quarta-feira. “Pelo menos comida tem”, suspira.

Em outra propriedade, também em Cascavel, a agricultora Maris Odoni diz que os efeitos da greve dos caminhoneiros ainda não chegaram. Na quarta-feira foram alojados 15,1 mil pintainhos e a ração da semana chegou no mesmo dia. Integrada de uma cooperativa de Cascavel, ela afirma que os caminhões têm feito rotas alternativas para chegar às granjas. “Nesta fase precisa de carga de ração uma vez por semana. A desta semana já chegou”, reforça.

A situação mais crítica é no sítio de Lindomar Vargas. Com 65 vacas em lactação, ele entrega 1,3 mil litros de leite por dia para uma multinacional do Estado de São Paulo. O caminhão parou ainda na terça-feira e a partir de hoje o descarte já é dado como certo. Na quarta ele conseguiu vender o produto, embora bem abaixo do preço de custo, para um laticínio local. “O custo de produção por litro supera R$ 1 e eu vendi por R$ 0,70 só para não ter que jogar fora mesmo. O caminhão desse laticínio conseguiu vir uma vez, mas hoje [ontem] já não deu certo. Se persistir assim, nesta sexta-feira teremos de jogar fora e acumular um prejuízo diário que beira os R$ 2 mil”, lamenta.

O leite é a principal fonte de renda ali e três famílias, que juntas somam dez pessoas, têm nesta movimentação financeira sua subsistência.

No resfriador havia ontem mais de 700 litros de leite que Lindomar esperava para ver o que faria com eles.

Apesar dos efeitos diversos no campo, nenhum dos agricultores se mostrou contrário à paralisação dos caminhoneiros. “Do jeito como está não dá mais. Está muito difícil para todo o mundo”, completou o produtor.

Sem ração, animais são mortos

No cenário nacional, a Abpa (Associação Brasileira de Proteína Animal) afirma que indústrias estão sendo obrigadas a levar animais para o abate por falta de ração. Além disso, os animais estariam praticando canibalismo, tentando se alimentar uns dos outros.

Segundo o diretor-executivo da Abpa, Ricardo Santin a associação “trabalha com todas as normas de bem-estar para o abate, mas não estamos conseguindo cumprir com as regras porque estão sem comida”.

Outro efeito da paralisação dos caminhoneiros, que entrou ontem no quarto dia, foi a diminuição das operações no Porto de Paranaguá em 27%.

O prejuízo nas exportações de aves e suínos já superava nesta quinta-feira os U$ 100 milhões.

A Abpa completou ainda que em algumas regiões, diferente da promessa feita por líderes dos caminhoneiros, ainda não havia ocorrido a liberação das cargas vivas. “Os protestos são justos, mas é preciso bom senso e evitar a perpetuação desta situação aos animais”, alertou em nota.

A Abiec (Associação Brasileira das Indústrias Exportadoras de Carne) e a Abpa, representando mais de 170 empresas e cooperativas da cadeia produtiva e exportadora de proteína animal em atividade no Brasil, informam que 129 unidades produtivas de carnes bovina, suína e de aves estão paralisadas. Somente no oeste do Paraná seriam pelo menos 12 ontem. Até hoje mais de 90% da produção de proteína animal estará parada caso a situação não se normalize, somando mais de 208 fábricas fechadas. Juntas, elas já deixaram de exportar 25 mil toneladas de carne de frango e suínos (receita de US$ 60 milhões). No caso da carne bovina, são 1,2 mil containers não embarcados por dia.

Mais de 85 mil funcionários destes segmentos estão com as atividades suspensas.

R$ 2 milhões/dia

A paralisação das atividades dos frigoríficos está agravando a situação da cadeia produtiva de carnes da C.Vale. A cooperativa tem um prejuízo diário de R$ 2 milhões com a suspensão do abate de frangos e peixes. Com o bloqueio das rodovias pelos caminhoneiros, a empresa está deixando de abater 530 mil aves e 50 mil tilápias por dia em seu complexo industrial de Palotina. A maior parte dos 5 mil funcionários dos dois frigoríficos aguarda em casa a orientação para retornar às atividades. A direção da cooperativa informou que mais de cem caminhões usados para o transporte de carnes e embalagens estão parados.

Confira outros efeitos da greve:

Aulas suspensas

Em muitos municípios da região as aulas estão sendo suspensas porque os ônibus não conseguem passar pelas barreiras ou devido à falta de combustível. A indicação feita pelos municípios é para que os pais entrem em contato com o Município para se certificarem das medidas. A regra vale para o transporte escolar. O transporte coletivo também tem sofrido interferências e as frotas circulam com escalas reduzidas.

Comércio

A Caciopar (Coordenadoria das Associações Comerciais e Industriais do Oeste do Paraná) reforçou ontem que a maioria das 46 associações comerciais da região filiadas apoia a paralisação dos caminhoneiros.

Ontem comerciantes de várias cidades fecharam as portas, das 8h às 10h, para engrossar o movimento nas rodovias. Hoje esta ação deve se repetir.

HU suspende eletivas

O Hospital Universitário do Oeste do Paraná informou ontem que as cirurgias eletivas que estavam agendadas para os próximos dias estão canceladas em medida emergencial para não afetar serviços assistenciais do hospital.

Serão racionados itens que não prejudiquem os atendimentos, economizando o possível para que não falte nos próximos dias.

Reuniões serão feitas diariamente para avaliar as necessidades dos setores.

Frota unificada

A Secretaria de Estado da Saúde e a Defesa Civil do Paraná estão em contato permanente para garantir que ambulâncias dos serviços de urgência e emergência, e demais veículos que atendem a rede assistencial do Paraná, não sejam prejudicados.

O secretário da Saúde, Antônio Carlos Nardi, determinou que superintendentes e diretores de regionais monitorem a situação e interfiram para evitar paralisação dos serviços.

Samu

A média diária de atendimentos do Samu (Serviço Médico de Urgência) no Paraná é de 1,7 mil ocorrências, sete delas aéreas. Segundo o diretor da Rede Paraná Urgência, Vinícius Filipak, cada Samu tem condições de antecipar o nível crítico de abastecimento e comunicar a necessidade de intervenção. “Orientamos as equipes para monitorar as condições de trabalho e comunicar imediatamente sobre bloqueios que impedem a chegada de insumos”, explicou Filipak.

A Casa Civil do governo federal criou ontem um comitê para avaliar a paralisação.

Frota oficial

A governadora Cida Borghetti determinou ontem que o uso de veículos da frota estadual seja restringido e que seja dada prioridade ao abastecimento de ambulâncias, viaturas das polícias e corpo de bombeiros.

Insumos hospitalares

A Federação das Santas Casas de Misericórdia e Hospitais Beneficentes do Paraná informou que a entrega de medicamentos e materiais está afetada. Os produtos são transportados em caminhões não identificados, dificultando a liberação nas estradas. A entrega de oxigênio, com transporte especial, permanece normal.

“As instituições privadas sem fins lucrativos, responsáveis por mais de 50% do atendimento SUS no Paraná, mantêm estoques limitados de medicamentos e materiais, a fim de otimizar os recursos financeiros. Para evitar o desabastecimento, alguns hospitais alertam que poderão, em primeira instância, adiar a realização de procedimentos eletivos, garantindo os atendimentos de urgência e emergência”.

Efeitos gerais da paralisação:

Falta de combustível;
Falta de gás de cozinha;
Entrega de medicamentos e materiais hospitalares afetados;
Cancelamento de cirurgias eletivas;
Falta de produtos básicos nos supermercados;
Suspensão do transporte escolar e das aulas;
Escalas reduzidas do transporte coletivo;
Frota oficial em circulação com escala reduzida;
Otimização dos atendimentos de urgência e emergência;
Combustível racionalizado também para viaturas e ambulâncias;
Animais morrendo nas granjas sem ração;
Cargas vivas paradas em bloqueios;
75 pontos de protesto/bloqueio no Paraná;
12 frigoríficos fechados na região e 129 no Brasil.