Policial

Quase 40% dos presos em presídios não são condenados

Em contrapartida, sentenciados permanecem em cadeias públicas sucateadas

Cascavel – Enquanto o STF (Supremo Tribunal Federal) discute a prisão ou não de condenados em segunda instância, cuja decisão pode livrar o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva da prisão mesmo já condenado pelo TRF4 (Tribunal Regional Federal da 4ª Região), nos presídios o que se vê está muito longe dessa realidade. Sem apelo político, influência e, especialmente, dinheiro, boa parte dos presos está nas penitenciárias sem nem mesmo terem sido condenados em primeira instância, ainda.

É a falta de acesso a advogados e ao conhecimento em si que mantêm os menos privilegiados na prisão, muitas vezes por crimes que poderiam ter a pena cumprida de outra forma. Há ainda uma parcela que fica detida em prisão preventiva por mais tempo que determina a lei, ocupando vagas em carceragens ou penitenciárias já superlotadas, apenas porque não têm a mesma “importância” de um ex-presidente da República.

O STF deve discutir hoje duas ações que tratam sobre o cumprimento da pena após a condenação em segunda instância. Existe uma ala do Supremo que defende que o réu só seja preso após esgotados todos os recursos possíveis e a ação tenha transitado em julgado, o que pode levar dezenas de anos para acontecer e livrar da punição todos aqueles que têm dinheiro, a exemplo dos condenados pelos crimes de colarinho branco, especialmente pela Lava Jato.

Na prática, o sistema carcerário vive outra realidade. De acordo com dados da Secretaria de Segurança Pública do Paraná, 38,1% dos detidos em unidades penitenciárias do Paraná são presos provisórios. E boa parte dos demais foi condenada apenas em uma instância.

Com os presídios lotados, há presos condenados cumprindo pena em carceragens da Polícia Civil, os chamados cadeiões. Na carceragem da 15ª Subdivisão Policial de Cascavel, por exemplo, dos 72 presos, 12 são sentenciados. No cadeião de Toledo, há 215 detentos, em local com capacidade para apenas 36. Do total de detidos, 37 são condenados, enquanto 178 ainda aguardam o julgamento.

“Boa parte dos problemas se deve à condição financeira dessas pessoas, que não conseguem contratar um advogado para interceder por eles na Justiça. Quando se tem quase 40% dos presos provisórios é porque a pessoa foi presa em flagrante, foi aceita a prisão preventiva e o detido não sai de lá porque não tem acompanhamento jurídico adequado. Esse é um dos motivos pelos quais há superlotação de encarceramento, muitas pessoas presas que não deveriam estar”, reforça o presidente da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) em Cascavel, Charles Duvoisin.

Detentos cumprem pena em delegacias

De acordo com relatório divulgado pelo TCE (Tribunal de Contas do Estado), com base em dados recolhidos em 2017, 1.689 pessoas condenadas cumprem pena em delegacias de polícia no Paraná, ao passo em que presos provisórios permanecem nas penitenciárias.

Em Cascavel, o cadeião foi “demolido” fim de 2016. Mas apenas simbolicamente, porque o local continua recebendo presos e já teve, neste ano, histórico de fuga de criminosos de alta periculosidade que jamais deveriam estar em estruturas dessa natureza. Como consequência, fugiram sem deixar rastro.

Em todo o Paraná, as cadeias abrigam três vezes sua capacidade. A promessa do ex-governador Beto Richa era suprir essa demanda com a construção de 14 novas unidades, das quais apenas uma saiu do papel e nem foi inaugurada ainda. Essas penitenciárias abririam 7 mil vagas, mas há mais de 9 mil presos em cadeias improvisadas.

Processos

No relatório, o TCE analisou ainda a demora de alguns processos. Mais da metade dos processos transitados em julgado e com sentença proferida no primeiro semestre de 2017, o tempo do recebimento da denúncia até a realização de audiência de instrução é de mais de 120 dias. Alguns demoraram até 500 dias, extrapolando e muito o período de prisão preventiva.

“Muitos deles nem sequer têm conhecimento que podem pedir, ou como pedir, um habeas corpus. Porque isso não exige a figura do advogado. São detentos que foram presos, sim, de forma correta, mas que já poderiam estar em liberdade. Aí permanecem em prisão preventiva três a quatro anos, período maior até que a própria sentença pelo crime cometido”, lamenta o presidente da OAB Cascavel, Charles Duvoisin.

Sem defensores públicos

Além de não ter acesso a um advogado particular, o preso que não tem condições financeiras também enfrenta outra dificuldade. O Estado não tem defensores públicos suficientes para atender a demanda. São 94 defensores em todo o Paraná. Porém, de acordo com a assessoria de imprensa da Defensoria Pública do Paraná, um levantamento feito em 2013 pela Associação Nacional dos Defensores Públicos e pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplica recomendou que o número ideal seria ao menos 844 profissionais. Para chegar a esse número, foi considerado o total de habitantes do Estado que ganham até três salários mínimos, que é o público potencial da Defensoria.

Isso quer dizer que o Estado oferece pouco mais de 10% do necessário, isso com base ao que seria preciso para a Defensoria atuar em 2013, e já se passaram cinco anos.

Segundo a Defensoria, a previsão da chegada de novos defensores é após a conclusão do curso de formação, mas deve ocorrer logo depois da nomeação que ainda está em curso com o governo do Estado.

A Defensoria acompanha todos os processos de condenados que não têm advogado, com exceção das comarcas de Francisco Beltrão e de Cruzeiro do Oeste. Mas são apenas 14 profissionais para lidar com mais de 15 mil condenados. Desses profissionais, nove dividem atuação em áreas cíveis.