Política

OPINIÃO: O filme de outubro

A plateia é desconfiada como os mineiros e aguerrida como os gaúchos, em “chapada” manifestação de velhos clichês sobre maneirismos regionais. Seria o paranaense apenas um pachorrento devorador de pinhões?

O público genuinamente brasileiro traz a “malandragem” de negros como o sinceríssimo geógrafo Milton Santos e a “indolência” dos índios presentes à Batalha de M’Bororé (1641), na qual deram uma tremenda sova nos bandeirantes.

Os presentes ao filme de hoje, confinados na grande sala nacional de cinema verdade, arregalam os olhos para a projeção. Na tela, o ameaçador Thanos (Thanatos, a Morte, ou Dane-se, a Crise) conta a história de como ferrou o Brasil, reunindo em cinco séculos de violências as seis joias da estagnação: autoritarismo, incivilidade, populismo, doença, repressão e analfabetismo funcional.

Com tais joias, o poderoso vilão já pode enfrentar com sucesso os candidatos a super-heróis e submetê-los ao seu tacão. Ou poderão os heróis resistir às joias do atraso e da mesmice política, agora que todo o poder e os cofres foram entregues aos caciques partidários de sempre?

Os mais de dez heróis da pátria amada trazem nos traços atuais as marcas de velhíssimas histórias. O herói Capitão Vargas, que começou falsificando a data do nascimento, não permitiu que golpistas o matassem: matou-se por conta própria. Antes desse ato de anti-heroísmo ele foi um mito, o maior de todos: deu trelas ao culto da própria personalidade, mesclou o golpismo armado com trucagens eleitorais, começou amado e depois cativou ódio.

Há também o Napoleão preso na Ilha de Elba, que sairá da masmorra para o poder máximo. No mais, o fulanismo soi disant liberal de quase todos, os mistos de palestrantes lacrimosos com comediantes stand-up cheios de truques retóricos, a rede amazônica da Mulher Maravilha e as diversas vices dos sonhos.

Ao fim do filme, na primavera, o herói que passar pelo funil de ataques múltiplos dos vilões inimigos e do fogo amigo visceral de vices boquirrotos terá que combinar com a plateia desconfiada e em pé de guerra uma forma democrática de não acabar expulso por defeitos especiais.

A menos que prefira rasgar a Constituição que jurou cumprir, majorar impostos alegando que os reduz e aumentar os gastos mas cortando quase tudo que interessa ao povo. Virão vaias da plateia se optar pelo arrocho salarial e humilhar os aposentados, esses privilegiados. Pior se proteger os amigos do rei que tenham armas e votos, mantendo só para eles os privilégios que jurou combater.

Se o herói sobrevivente não combinar com a plateia como será a sequência do filme, Thanos, o vilão da morte e da crise, continuará infinitamente metendo a manopla com suas joias da estagnação. Destruirá com um estalar de dedos o eleitorado que vencer a indecisão e confiar nas virtudes reais ou simuladas do herói que considerar capacitado para estrelar os próximos quatro anos-capítulos da franquia. Depois da posse, já sem os truques do marqueteiro, será, finalmente, a hora da franqueza.

Alceu A. Sperança é escritor – [email protected]