Policial

Mais de mil casos estão sob investigação

Para promotora, situação parece ser cultural da região

Corbélia – O relato é estarrecedor e revoltante. Uma criança passa a ser estuprada pelo padrasto. A mãe, como fora abusada pelo próprio pai, torna-se conivente com a violência contra a filha, cuja agressão lhe custou a vida. O crime, ou melhor, a sucessão de crimes foi registrada na região oeste do Paraná. Todas as vezes que o agressor estava prestes a ser pego mudava de cidade com a família. Foi assim no período em que viveu em Cascavel, depois em São Pedro do Iguaçu e o tormento seguiu ainda para a cidade de Corbélia, todas no oeste paranaense. A tortura só acabou com a morte da garota. O estuprador foi condenado a 40 anos e está preso há dois anos na PEC (Penitenciária Estadual de Cascavel). A mãe foi condenada por ter sido conivente e está detida na cadeia pública de Corbélia, onde ficam as presas mulheres na região.

O caso alarmante relatado pela promotora Cláudia Biazus, da Comarca de Corbélia, que faz ainda outra revelação: a situação é muito mais comum na região do que se imagina.

Casos similares a este chegam todos os dias às Promotorias de Justiça de toda a região. “Hoje até 30% da nossa demanda é de casos de estupro e pedofilia. Infelizmente, o que percebemos é que isso acaba sendo cultural na nossa região”, alerta.

São processos que seguem em segredo de Justiça, mas, segundo o apurado pelo Jornal O Paraná, há pelo menos mil casos de abusos, estupros e pedofilia tramitando nas Varas da Infância e das Juventude da região. “Os números são alarmantes e muito preocupantes, mas o que nos preocupa também são os casos que não chegam até nós. Não são denunciados e que as próprias famílias são coniventes”, reforça, ao lembrar que geralmente os agressores são pessoas próximas, familiares, parentes ou vizinhos.

“A gente nota que de certo ainda modo há uma certa tolerância da comunidade e muitas pessoas acham que só é crime quando ocorre a penetração, na verdade, acariciar, passar a mão, tudo isso é crime e precisa ser denunciado”, reforça a promotora.

Além dos processos em investigação, os chamados inquéritos, há dezenas de ações penais com condenações, inclusive de mulheres. “São mulheres que foram coniventes e não denunciaram”.

Não há uma comarca da região sem a instauração de novos inquéritos relacionados ao tema. “Sempre tem denúncia e quando a criança tem até três anos, fica mais difícil diagnosticar, por isso a família precisa ficar atenta (…) Acredito que estão chegando mais casos porque as pessoas têm mais acesso à informação, mas são muitos os que não são denunciados”.

Perpetuação da violência

Sobre o caso da menina que morreu aos 13 anos, a promotora Cláudia Biazus revela que ela engravidou ainda aos 11 anos de idade, do próprio padrasto. A garota chegou a escrever cartas para a mãe relatando os abusos, mas foi ignorada. Aos 13 anos ela morreu. A causa da morte, no atestado de óbito, aparecia como um problema cardíaco, mas uma investigação indicou que o problema foi desencadeado por um dos estupros que a garota sofreu. E a revelação a seguir foi ainda mais surpreendente: “Descobrimos que ela estava de resguardo. Nesta época o filho dela já estava com dois anos, então não poderia ser desta dieta, porque o problema cardíaco é desencadeado até três meses após o parto, então nas investigações apuramos que ela havia sofrido um aborto e que durante o período de resguardo ela foi estuprada de novo pelo padrasto. Ele a rasgou inteira e a doença cardíaca foi originada dali. Infelizmente, a garota não sobreviveu”, conta a promotora.

A morte acirrou as investigações: “Tentamos muito, por inúmeros caminhos, fazer DNA com o padrasto porque desconfiávamos das agressões e que a criança, na época com dois anos, era filha dele, mas ele sempre se recusava. Foi então que o convencemos e o DNA foi feito nos filhos que ele tinha com a mãe da menina estuprada. Nele se detectou que o filho da garota morta era irmão dessas crianças”.

O caso vai além. As investigações apontaram que ele estuprava as outras crianças também e, ao confessar, disse que era seduzido pelas vítimas. Cinco delas, inclusive o filho da menina morta, já foram encaminhadas para adoção. “Os laudos psicológicos apontavam que todos precisavam seguir para a adoção porque, como viviam uma violência cultural na família, isso seria cíclico se permanecessem neste lar e que isso iria se perpetuar”, completa.

Meninos e meninas

A promotora Cláudia Blazius conta que cresce ano a ano os registros em que os meninos figuram também como protagonistas dos casos de abuso sexual.

Outro aspecto que chama a atenção é o uso da tecnologia para perpetuar os abusos. “São inúmeras situações em que o agressor filma, fotografa para olhar depois e quando existe o registro a maioria confessa o crime”, lembra, ao reforçar que a família precisa estar atenta às mudanças de comportamentos das crianças e dos possíveis agressores.

“Quando uma pessoa dá muito presente para uma criança e a criança apresenta um comportamento diferenciado, come demais ou para de comer, agitação e tristeza injustificadas, são sinais que precisam ser observados e deve haver a denúncia”, alerta.