Cotidiano

Pesquisa propõe a criação de plataforma de jogos acessíveis para idosos

Proporcionar maior inclusão e qualidade de vida na terceira idade são alguns dos objetivos do projeto

Conforme envelhecemos, vamos perdendo nossa capacidade motora, visual e cognitiva. Idosos convivem com esses problemas diariamente e muitos não têm conhecimento sobre alternativas que possam amenizar esse processo de transformação natural. Pesquisadores do Instituto de Ciências Matemáticas e de Computação (ICMC), da USP, e da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), estão desenvolvendo uma plataforma de jogos digitais para idosos, ferramenta que poderá trazer mais qualidade de vida a esse público.

Dados do último censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) mostraram que existem no país aproximadamente 20 milhões de brasileiros com idade igual ou superior a 60 anos e espera-se que, em 20 anos, esse número triplique. Isso se dá devido a fatores como aumento da expectativa de vida e queda das taxas de fecundidade, natalidade e mortalidade. “Jogos digitais têm sido desenvolvidos especialmente para a população jovem, habituada a essas interações e com aprendizagem mais rápida. Adequar e proporcionar esse tipo de conteúdo aos idosos ainda é um desafio que, se vencido, será um importante instrumento de inclusão social”, explica Leandro do Amaral, que faz doutorado no ICMC.

“Os idosos de hoje já estão inseridos no mundo da tecnologia, mas devemos trazê-los ainda para mais perto dessa nova cultura. Muitos deles já jogavam games quando eram mais novos, mas atualmente não há preocupação da indústria de jogos com essas pessoas. Games não são somente para jovens e crianças”, conta Gabriel Lima, que se formou em Ciências de Computação no ICMC. Hoje, Gabriel trabalha na Aptor Consultoria e Desenvolvimento de Software, empresa parceira dos pesquisadores no projeto Ambiente lúdico adaptativo como ferramenta para proporcionar treinamento cognitivo ao público senescente.

Para desenvolver uma ferramenta com jogos acessíveis a quem tem mais de 60 anos, os pesquisadores precisam levar em conta o déficit cognitivo e motor que os idosos costumam apresentar. É recomendado evitar movimentos muito rápidos durante o jogo, excesso de informações na tela e o tamanho das letras deve ser maior do que o tradicionalmente empregado nos games destinados a outros públicos. “A maior dificuldade é entender a necessidade do idoso. Ele não pode se sentir frustrado por não conseguir jogar. Ao mesmo tempo, a experiência não deve ser entediante como acontece em games que não apresentam desafios”, diz Gabriel.

Leandro explica também que, no Brasil, não há muitos jogos para idosos e os que existem não se preocupam com acessibilidade. Outro fator importante que deve ser levado em conta no momento de criar um game para essas pessoas é que o projeto precisa se relacionar com o universo cultural de quem tem mais de 60 anos. Por isso, foi realizada uma pesquisa prévia com 50 idosos para obter mais informações sobre as características desse público a fim de propor jogos com uma temática atrativa.

Ao criar a plataforma, também será possível, segundo os pesquisadores, contribuir com a evolução das habilidades e técnicas cognitivas dessa população, retardando uma série de declínios, como, por exemplo, o comprometimento da memória. De acordo com Leandro, pesquisas sobre o desenvolvimento motor dessa população têm ganhado destaque, tendo em vista as transformações já esperadas durante as fases do envelhecimento e por ser um nicho de mercado que deverá ser cada vez mais explorado.

“É uma área de pesquisa muito promissora e que está se desenvolvendo não só no Brasil como no mundo todo. Os idosos são muito atuantes e desejam participar”, conta Renata Pontin, professora do ICMC e orientadora de Leandro.

Importância reconhecida – Para viabilizar a criação da plataforma, os pesquisadores estabeleceram uma parceria com a Aptor e apresentaram uma proposta para o Programa Pesquisa Inovativa em Pequenas Empresas (PIPE), criado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP). O projeto foi aprovado pela agência de fomento e receberá até R$ 200 mil nos primeiros nove meses de pesquisa (chamados de fase 1). Ao final do período, os pesquisadores apresentarão um relatório técnico sobre o andamento do projeto. Caso obtenham resultados satisfatórios, o financiamento pode ser renovado por mais dois anos (fase 2), com a garantia de que um produto final seja entregue ao final do prazo.

 “É muito importante receber esse recurso da FAPESP, que nos possibilita arriscar. Hoje em dia, com o atual cenário econômico do país, talvez não fosse possível produzirmos esse trabalho”, diz Leandro. O projeto está sendo realizado em parceria com Marcos Hortes e Paula Castro, professores do Departamento de Gerontologia da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), e com os alunos de pós-graduação Lucas de Carvalho e Francine Golghetto, ambos da UFSCar. A iniciativa recebe, ainda, a contribuição de Thiago Bittar, professor da Universidade Federal de Goiás (UFG), regional Catalão. Além de Gabriel, o projeto conta com a participação de mais três desenvolvedores da Aptor: Marcelo Petrucelli e Felipe Padula, ex-alunos do ICMC, e Janaina Pertile, aluna do curso de graduação em Imagem e Som da UFSCar.

Segundo Renata, essa pesquisa possibilita o envolvimento dos jovens com os idosos, um aspecto fundamental não somente para o crescimento profissional dos estudantes, mas também por outros fatores: “Do ponto de vista acadêmico, os alunos formados em computação saem do curso falando apenas com a máquina. Agora, eles estão começando a ter contato com as pessoas e entender as necessidades do ser humano. Isso trará muitos benefícios e humanizará os cursos da área”.

Empolgado com o projeto, Gabriel confirma o que diz a professora: “Quando você vê que está preenchendo uma lacuna e fazendo alguém se sentir melhor, isso faz diferença e se torna uma grande recompensa”, finaliza.