Cotidiano

O sorriso do chapecoense

Recebi por whatsapp. O que o belo rapaz de aliança na mão direita e belíssimos dentes brancos não sabia é que estava filmando não apenas os últimos momentos da sua vida, mas a de todos os seus companheiros. No vídeo, gravado dentro do avião, o garoto se despede lembrando que em poucas horas chegariam na próxima parada, Colômbia, a chave de ouro de seus sonhos, país que lamentaria receber seus corpos e divulgar para o mundo a extinção de jovens talentos de um time de futebol que perderia muito mais do que  jogadores. 

É, garoto, até ver seu rosto na tela do meu celular não tinha ideia de quem era você. Embora tivesse cara de menino levado, desses que agitam a turma e que fazem festa até às três da manhã, nenhuma percepção tem agora importância porque você está morto. O que sei de você é aquilo que todos sabem, jogador de futebol que se despediu da vida na terça-feira em local muito distante de sua casa. Não se preocupe, garoto, você voltará para seu lar, e enrolado na bandeira do time que você defendia. Em sua cidade natal, será sepultado com honra e comoção, levando para o fundo da terra, além de seu talento, um pedaço de sua mãe que jamais brotará novamente.

Daquele vídeo, e repetidas vezes o vi, levei para as minhas memórias o formato de seu rosto, o corte de cabelo, a pintinha de nascença no canto direito de sua boca e aqueles dentes brancos e retinhos que substituíram um dia seus dentes de leite. Lembra deles?  Pois é. Talvez sua mãe os tenha guardado como lembrança da sua infância inconsciente de estar salvando relíquias preciosas de um filho amado que não existe mais.

Sabe, garoto lindo, por você, não almocei alguns dias; por você, grossas lágrimas caíram por meu rosto, emoções que escondi de meus filhos por não saber por onde começar a explicar que energia, vitalidade e juventude não são pré-requisitos para a imortalidade. Por você, brinquei mais tempo com eles; por você, dei dez beijos a mais em cada um e só os deixei depois que pegaram no sono. E sabe por quê? Por que você se foi. Seus sonhos ficaram sem dono, não pertencem mais a você, uma perda que se mostra coletiva já que todos nós  perdemos quando pessoas talentosas, divertidas e que fazem a diferença nos deixam sem dizer adeus.

Talvez seja por isso que o Pai do Céu sequestre nossos jovens e nossas esperanças de forma tão brutal, uma sutil lembrança de que qualquer um a qualquer instante pode deixar de existir.  Em nossos corações, se intensifica a vontade de produzir, de fazer a diferença, dar prosseguimento aos sonhos que os outros começaram sem  ter a oportunidade de concluir. Essa fragilidade da existência cria uma onda de solidariedade que nos impulsiona, nos leva para frente independente do tamanho da dor porque todos sabemos não ser justo o mérito de seus esforços, meu garoto, evaporarem no meio do caminho.

A despedida, precoce e amarga, traz à vida novos contornos, novos ajustes. Sepultar nossos jovens, e jovens talentosos, faz que com enxerguemos aquilo que realmente vale a pena ser visto. É simples assim, quem vai chacoalha a consciência de quem fica. E quem fica é porque está vivo, e estando vivo tem obrigação de trabalhar e produzir em nome daqueles que gostariam, mas que não podem concluir sua tarefa. Não vamos aqui lamentar o que você não viveu, está bem? Lembremos o que foi por você conquistado. Antes tê-lo por alguns anos do que nunca teres passado por aqui, dirão sua família, namorada, fãs, amigos e todos os anônimos que você involuntariamente conseguiu reunir em uma corrente de fé e orações.

Garoto bonito, aqui me despeço, você deve ter muito a fazer. Obrigada pela mensagem que inconscientemente você nos deixou no momento em que gravou aquele vídeo. Obrigada por compartilhar seu sorriso , felicidade que nos tira da inércia e nos leva a prosseguir. Chute as estrelas, meu menino, dê brilho aos céus, e, assim, rindo e chorando, vamos nos lembrar que o show, que também era seu, não pode parar.

E vamo, Chape.

Vivian Weiand