Cotidiano

Melina Breitegger, antropóloga e cientista política: 'O Brasil é cuidadoso ao expressar planos de liderança'

Conte algo que não sei.

Tenho interesse em comparar Brasil e África do Sul porque têm muito em comum. São democracias, consideradas emergentes, e parte da corporação Brics. Estão interessados em ter um papel mais global e são considerados potências regionais, o que significa que que têm uma certa “voz” pela região, uma influência política e econômica. Pesquiso como eles se veem como potências regionais e qual é a reação dentro da região. É possível observar que esse status de potências regionais é bem contestado.

Você poderia apontar diferenças e semelhanças entre as influências exercidas por Brasil e África do Sul em suas respectivas regiões?

Se você olhar a África do Sul, a perspectiva de política externa na região engloba a África como um todo, mas se notar sua influência política e econômica, ela é voltada mais a vizinhos regionais, como a região da África subsariana, onde o país realmente tem mais poder. Mas é estranho pensar que a África do Sul possa falar pela região toda, pois ela não tem esse nível de poder. Agora, se você pensar no Brasil, o tamanho da economia e da população, fica claro que o país tem papel muito forte na América do Sul, especialmente com a Venezuela em dificuldades, ainda que também enfrente problemas.

Diria que o Brasil faz “bullying” na América do Sul?

O Brasil é muito cuidadoso em expressar planos de liderança, pois tem medo de ser visto como “bully”. Busco pesquisar se (o país) está usando organizações regionais e uma plataforma multilateral para se engajar na região e cooperar, em vez de dizer: “Nós somos a hegemonia regional, a potência regional, e este é nosso plano para região.” Acho que o Brasil está bem consciente e sua estratégia é buscar cooperação.

Nossa atual situação econômica enfraquece o papel do Brasil na América do Sul?

Não teria tanta certeza. O Brasil é um agente importante, ninguém contesta isso. Atualmente, com a crise, há incerteza sobre os planos para a América do Sul e, com o novo governo, não se sabe se o foco será em parceiros tradicionais, como EUA, União Europeia, Brics, China, ou na região.

Onde é mais difícil combater a pobreza?

Sei que na África do Sul estão gastando muito dinheiro com idosos e crianças. Mas parece muito menos eficiente que o sistema brasileiro, com o Bolsa Família. O Brasil conseguiu gastar menos dinheiro no terreno social e ser mais eficiente do que a administração sul-africana.

Como organizações internacionais ajudam a pôr em prática a luta contra a pobreza?

Temos acordos internacionais e muita defesa no nível da ONU, mas, no fim, a questão volta à implementação de políticas por governos locais. E há boa vontade, mas, pela minha experiência na África do Sul, às vezes se tem um progresso impressionante, mas, no fim, as pessoas que realmente precisam se beneficiar dos programas acabam sem ter real acesso a eles. É muito difícil administrar esses programas, e o dinheiro se perde no caminho e não termina onde deveria.

Na sua pesquisa, o que mais chama atenção no Brasil?

Na África do Sul, muitas das comunidades ricas e pobres são distantes. Aqui no Rio, por exemplo, parecem mais misturadas, com bairros ricos ao lado de muito pobres. É interessante, pois na África do Sul é mais difícil para os pobres conseguirem acesso à cidade toda. Estão geograficamente separados.