Cotidiano

Jamila Diaz, economista: 'O Brasil não está pronto para aceitar que tem minorias'

201607040843280432.jpg “Tenho 41 anos e nasci no Bronx, periferia de Nova York. Tenho mestrado em
Economia e Administração Pública. Sou diretora executiva do SoBRO, uma
organização sem fins lucrativos que trabalha há 44 anos com questões econômicas
e sociais no Bronx. Damos assistência a pequenos empreendedores por acreditar
que são fundamentais na arquitetura social das cidades. Temos programas para
preparar a comunidade para oportunidades que surgem a partir desses negócios.”

Conte algo que não sei.

Sou prova viva de como ter acesso aos recursos pode
fazer o ser humano se desenvolver. Nasci no Bronx, em uma comunidade pobre, de
imigrantes. Meus pais são de Porto Rico. Mas consegui progredir com a
assistência de programas como os organizados pelo SoBRO.

Em geral, grandes empresas prestam serviços como limpeza urbana e
saneamento. Qual o papel das pequenas empresas nas cidades?

No SoBRO, trabalhamos com pequenos empreendedores porque
sabemos que seus negócios são capazes de criar empregos para as comunidades onde
atuam. Providenciamos serviços, como assistência na busca de financiamento e na
forma de se fazer contratos. Se os residentes de determinado local conseguem
trabalho a partir dos novos negócios, há melhora na qualidade de vida dessas
comunidades. Se as pessoas não têm emprego, não podem pagar o aluguel, não podem
comer.

Há 11 milhões de desempregados no Brasil. Muitos tentam montar
seus negócios. Quais os desafios para aqueles que querem ser
microempresários?

Além da burocracia, há muita desigualdade aqui, como no
mundo todo. Mas creio que isso é vivido mais fortemente no Brasil. Falo de
dinheiro e de influência, de acesso ao poder. Quem detém o poder não quer
largar.

Os pequenos empresários podem reduzir a desigualdade?

Claro. Nos EUA, vimos que havia minorias, como
afro-americanos e hispânicos, que nunca receberam instrumentos para tentar se
desenvolver. Essas comunidades estão em desvantagem. O Brasil não está pronto
para aceitar que tem minorias e comunidades em desvantagem. Primeiro, é preciso
reconhecê-las. Depois, prover recursos.

Que tipo de recursos?

O Sebrae faz um bom trabalho, mas limitado. Deve haver
suporte social. Você pode montar negócios, construir infraestrutura, mas tem que
trabalhar com as pessoas, com treinamento, educação, oportunidades de trabalho.
Se 11 milhões não têm emprego, algo tem de ser feito.

Como funciona a questão das minorias no ambiente de negócios
americano?

As empresas cujos proprietários são de minorias recebem
certificações municipais, estaduais e federal que permitem disputar licitações,
por exemplo, concorrendo em um pool de empresas específico. Essa oportunidade é
só para esse grupo de empresários, porque o governo sabe que eles não podem
competir com os grandes. Logo, têm de ter tratamento diferenciado. O Brasil não
tem isso. Os brasileiros realmente pensam que não há discriminação. Mas claro
que isso não é verdade. A história mostra que, se essas empresas não são
colocadas em um grupo separado, as grandes sempre vencem.

Essa reserva de mercado deveria ser temporária?

Deve durar até que os números mudem. Na cidade de Nova
York, apenas 10% dos negócios feitos com o governo local são com empresas de
minorias. Em nível estadual, essa fatia é de cerca de 20% e a meta é elevar para
30%.

A Olimpíada poderia ter sido uma oportunidade para adotar
políticas como essa?

Seria uma forma de ter certeza de que a necessidade de bens e serviços dos
Jogos seria suprida por empresas brasileiras, gerando dinheiro para o país e
para as minorias.

A reserva de mercado não encareceria os produtos?

As empresas de minorias precisam ser competitivas, e os
governos sempre buscarão o menor preço. Mas, às vezes, compensa pagar um pouco
mais. Quando se fecha um negócio com um empresário local, esse dinheiro fica no
país, com ganhos para a sociedade.